28/07/2006

"Caranguejola", de Mário de Sá-Carneiro

Para que o meu Panzón leia e que comigo ria depois deste texto a 3, enquanto me conta o resto da terrível , incrível história do paciente, do enfermeiro e do doutor.

"- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores.

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira -
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado,
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais - não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
-Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...

Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
Plo menos era o sossego completo...História!Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
-Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo - e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário. Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! Levem-me prà enfermaria-
Isto é: para um quarto particular que o meu Pai pagará.

Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris é preferível - por causa da legenda...
Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda-
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...

- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras:
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou."

Paris - novembro 1915

3 comentários:

Anónimo disse...

perguiças sub cutÂneas! snj

Anónimo disse...

Keep up the good work. thnx!
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Anónimo disse...

Your are Nice. And so is your site! Maybe you need some more pictures. Will return in the near future.
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