05/04/2008

Amue Cocozette

"Visto que mais não posso fazer, vou então prá sala amuar", disse! "Tá a amuar??? "- perguntou-me a petiz. "Não, não estou! Estou amudo e vou fintar a massa prá sala, ou então prá cama que tb serve!"- respondi!

"Num remexa nessa massa que não vale a pena, chefe!" - afirmou!

"Pois não!"- lhe disse- Não se mexe na massa que finta, pois assim não singra. Pois que se coloca a manta velha de fintar e deve-se-lhe aplicar nem de mais nem de menos calor. Volta-se a bacia de tempo a tempo e aguarda-se o fintar. Chama-se Amue Cocozette. À sua chaminé grito: contraste-me esta receita de iguaria, sim! Esta! Numa posta do seu blog!"


"Só lhe peço que me escreva uma história, um receituário."



Uma receita é, na sua essência, muito similar a um formulário de medicamentos.

Em ambos os casos, vários ingredientes se misturam meticulosamente até chegar a um resultado, uma coisa outra, resultante de interacções várias : um pão que fermentou, um alprazolan que se embalou!

Um amuo é, na sua essência, o pão e o alprazolan!

É o amuo aquele estado d'alma irreverente, impertinente e magoado que impede o trato interpessoal: fermenta como o pão, embala-se para não estoirar.

Contagiante, alastra-se pelos presentes como lepra! Como serpente, subrepticiamente prende e ata, enroscando a garganta da vítima que falar não deve, mexer não pode e a fugir não se atreve.

Como água, ensopa mesmo que se não queira, como sol, desidrata até mirrar!

É o amuo um momento de desprotecção, de sensibilidade ferida, de humanidade sensível e sensitiva, avessa à razão e ao puxão, contrária à partilha... denunciadora de uma chaga!

É o amuo uma crise e um desgosto passageiro: o direito de se não ser razoável nem racional, a obrigação de não se conseguir compactuar nem aceitar tudo!

"Amuada, Laura fechou-se no seu quarto de menina. Não queria ver ninguém! Não queria que lhe falassem, que lhe dissessem, que a fizessem compreender fosse o que fosse. Entregue a si própria, remoía o castigo que a mãe lhe impusera :"Agora, Laura, vais buscar a camisola de lã verde de gola alta, as calças castanhas e as botas que a avó deu! É isso que vais vestir hoje, e já te disse!"
No seu quarto, Laura não queria ver ninguém! Numa veneta, vestiu o seu vestido preferido, apertado, gasto e às risquinhas, calçou as sandálias que tinham o lacinho dos seus sonhos, pôs o colar de pérolas falsas ao pescoço, pintou a boca de vermelho escarlate, saíu do quarto e, amuada, respondeu: "Não vou!"

(*ao meu Sonjo)